*Rodrigo Rodrigues
Seria maravilhoso passarmos por esta vida sem precisarmos de cuidados médicos, de uma eventual internação para uma cirurgia ou para um tratamento clínico. Há alguns anos, nossos pais evitavam hospitais e pronto-socorros, e não era incomum os tratamentos medicinais dos avós prevalecerem. Quem nunca tomou aquele chá feito pela bisa ou pela avó, ou tomou um xarope de receita de família?
Muitas doenças eram tratadas com base em receitas que eram passadas por gerações, mesmo que nem sempre tivessem um resultado eficaz. Ainda assim, eram evitadas as idas aos hospitais. Com o passar do tempo, essa cultura de tratamentos caseiros foi se perdendo, dando lugar e origem ao tratamento especializado nos Prontos-Socorros (PS).
Atualmente, não é incomum encontrarmos filas enormes para a triagem nos PSs (públicos ou privados), seguidas de uma nova espera para o atendimento, o que faz com que os pacientes fiquem horas aguardando por um diagnóstico.
O objetivo aqui não é criticar a forma como as doenças são conduzidas na fase aguda, mas propor uma reflexão sobre como lidamos com a prevenção, muitas vezes negligenciada, e o processo de desospitalização.
Para se ter uma ideia, a falta de prevenção pode acarretar no aumento de internações oriundas do PS. Segundo a Anahp (quadro abaixo), esse número gira em torno de 11% dos atendimentos. Nesse sentido, podemos perceber que os cuidados com a saúde em nosso dia a dia refletem exponencialmente no volume de atendimentos nos hospitais (públicos ou privados), desencadeando uma série de fatores que comprometem todo o ecossistema.
O principal fator está relacionado à disponibilidade dos leitos hospitalares que, além da urgência/emergência, precisam atender às cirurgias eletivas e dar conta das internações de menor complexidade oriundas do PS. Pois é, sejam bem-vindos ao mundo da gestão hospitalar. Diariamente, precisamos equilibrar esses pratos para evitarmos um colapso nos atendimentos e muitas vezes a insatisfação pela demora no atendimento.
Talvez você esteja se perguntando: se o tema é desospitalização, por que começar pelo Pronto-Socorro? A resposta é simples: essa é a única demanda imprevisível no atendimento médico hospitalar, as demais são eletivas e controladas. E sim, você pode ser um dos milhares de pacientes responsáveis pela alta demanda de internações. Esse é o mesmo conceito de quando reclamamos todos os dias do trânsito, porém, não deixamos o carro em casa um dia sequer do ano. Fazemos parte disso e o incentivamos, de forma similar ao que acontece com a demanda hospitalar.
Claro que o trânsito não pode ser comparado à saúde. Contudo, quando fazemos a revisão correta do veículo, colocamos óleos, aditivos e mantemos o carro em boas condições para que ele não coloque nossa vida em risco, quebrando nas avenidas atrapalhando o trânsito, acarretando outros problemas. Aqui cabe a reflexão: cuidamos melhor dos nossos carros do que de nossa saúde? Chico Buarque já dizia: “Morreu na contramão atrapalhando o trânsito”.
Com esse cenário repleto de internações surgem as altas taxas de ocupação nos hospitais, que precisam operar invariavelmente entre 70% e 80% para se manterem bem, gerarem receita e conseguirem dar vazão a toda essa demanda com qualidade percebida. Contudo, quando vemos as UTIs com taxas acima de 90% ou até mesmo em overbooking, começamos a perceber a necessidade de desospitalizar diversos casos que eventualmente poderiam ser tratados, ou melhor, cuidados em outros equipamentos de saúde de forma mais adequada.
A desospitalização não é só o ato de reduzir o tempo de permanência em uma unidade hospitalar, mas uma metodologia que vem sendo cada vez mais adotada por hospitais e profissionais de saúde. Trata-se de uma conscientização para melhor utilização dos recursos disponíveis nas redes de atendimento médico hospitalar, sejam elas públicas ou privadas. As famílias muitas vezes pressionam os hospitais, equipes médicas e operadoras de saúde para manterem seus familiares sob cuidados em um hospital geral e acabam ganhando essa queda de braço sob fortes contendas ou simples ameaça de judicialização.
Porém, nem sempre essa ação é benéfica para o paciente. Manter o familiar sob cuidados ou períodos desnecessários no ambiente hospitalar agudo poderá gerar novas infecções, complicações e, consequentemente, reinternações futuras.
Quando a equipe efetivamente expede a alta hospitalar, o paciente poderá voltar bem para casa com cuidados mínimos. Em diversos casos, precisará ainda de um período de reabilitação para otimizar sua saúde e voltar melhor para o seio familiar e sua vida cotidiana. Talvez precise efetivamente de home care (cuidados assistenciais em casa).
Outra questão importante é que a desospitalização é uma maneira mais humanizada de prosseguir o tratamento. Trata-se de uma tendência mundial que se baseia na ética e no respeito pela dignidade do ser humano, uma vez que o ambiente hospitalar por si só pode tornar a recuperação mais lenta e triste.
É importante frisar que o processo de desospitalização também está presente em hospitais de transição de cuidados que, por sua vez, seguem os princípios do Institute of Medicine (IOM), que são assistência focada no paciente, prover assistência no tempo adequado, eficiência, equidade, efetividade e segurança do paciente.
A desospitalização precisa ser encarada como um ato legítimo da melhor decisão, para o destino ou lugar para o paciente, de forma eficaz, pois, quando bem indicada, mostrará um resultado clínico positivo na saúde e um alento para a família que vive todo esse momento de forma intensa. Entender o que é melhor para o seu familiar nem sempre será uma escolha fácil, mas é possível ser mais consciente e eficaz.
*Rodrigo Rodrigues é Diretor de Relacionamentos da YUNA, instituição especializada em reabilitação e cuidados paliativos.