Brasil pode perder R$ 7,7 bilhões com contrabando de cigarros eletrônicos em 2025, aponta estudo da USP

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Levantamento inédito da Escola de Segurança Multidimensional (ESEM) e do Instituto de Relações Internacionais (IRI) levou em consideração impostos estaduais e federais que deixam de ser arrecadados com comércio ilegal

Uma pesquisa inédita aponta que o Brasil pode deixar de arrecadar R$ 7,7 bilhões em impostos estaduais e federais em 2025 com o comércio ilegal de cigarros eletrônicos. O estudo realizado pela Escola de Segurança Multidimensional (ESEM), do Instituto de Relações Internacionais de São Paulo (IRI) da Universidade de São Paulo (USP) foi apresentado nesta quarta-feira (25/9) no workshop “Fronteiras do Crime: O Desafio do Crime Organizado em setores altamente regulados no Brasil”.

Mantendo uma perspectiva conservadora do crescimento de mercado e do consumo mensal de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs), a tributação média no país poderia alcançar até R$10,3 bilhões em 2028.

Para chegar a esses dados, o estudo usou como base levantamento da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), que identificou um mercado consumidor potencial de 3,3 milhões de usuários de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) no Brasil. O crescimento de mercado foi realizado com base no crescimento observado nos últimos anos, identificado pela consultoria Inteligência em Pesquisa e Consultoria (IPEC) e pelo crescimento da população estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

“O comércio ilegal de cigarros eletrônicos está sustentando em quatro pilares: proibição, contrabando, corrupção de agentes públicos e comercialização digital”, explica o professor Leandro Piquet, coordenador da Escola de Segurança Multidimensional da Universidade de São Paulo (ESEM-USP). “Uma particularidade desse mercado é que o varejo é dominado pelo comércio intenso pela internet, é um produto proibido que pode ser comprado facilmente pelos canais digitais”.

Segundo os pesquisadores, o crescimento contínuo do consumo, mesmo diante da ilegalidade, levanta questões sobre a eficácia das políticas atuais e se a regulamentação, com a devida tributação, poderia ser uma solução mais viável para combater tanto o mercado ilegal quanto os problemas de segurança pública associados a ele.

A venda e publicidade de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) é proibida no país desde 2009 pela Anvisa, que em abril deste ano reforçou e expandiu a proibição para a fabricação e transporte dos produtos.

“Redes criminosas nacionais e transnacionais, organizadas ou não, estão suprindo o lado da oferta de forma eficiente e eficaz, praticando preços condizentes com o mercado brasileiro e canalizando recursos econômicos para outras atividades criminosas, como corrupção de agentes públicos, tráfico de armas, tráfico de drogas, entre outros”, explica o professor Leandro Piquet, coordenador da ESEM-USP.

O estudo foi patrocinado pelo PMI IMPACT, que tem como propósito fortalecer iniciativas de combate ao comércio ilegal. No Brasil, a iniciativa apoia a ESEM/IRI-USP, que capacita forças de segurança de toda a América Latina para enfrentar o crime organizado e o contrabando.

Perdas por Estados

Além do levantamento nacional, o estudo analisou a situação em seis estados: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco. O professor Leandro Piquet anunciou que para 2025 o estudo será ampliado e estendido para os 26 estados brasileiros e Distrito Federal.

São Paulo

O estado de São Paulo deixou de arrecadar R$ 1,65 bilhão em impostos estaduais e federais neste ano com o comércio ilegal de cigarros eletrônicos. Apenas em São Paulo, as projeções baseadas na evolução do mercado apontam que a receita tributária arrecadada em 2028, em âmbito estadual e federal, pode chegar até R$3,5 bilhões e R$500 milhões, respectivamente, considerando o preço médio total dos cigarros eletrônicos.

São Paulo é responsável por 20% de todas as apreensões realizadas no país. A receita estimada da legalização do mercado de cigarros eletrônicos apenas para o ano de 2024 poderia custear aproximadamente 12,02% do investimento em policiamento do estado de São Paulo, levando em consideração o valor gasto em 2023.

Rio Grande do Sul

Considerando um crescimento anual de 10% do mercado de DEFs, a arrecadação de impostos para o estado do Rio Grande do Sul, caso o mercado fosse legalizado, poderia atingir R$503,14 milhões em 2028. Esses valores são baseados na estimativa de crescimento contínuo da demanda por DEFs e no aumento das vendas tanto em lojas físicas quanto em plataformas online. Graças à sua localização geográfica estratégica, com fronteiras diretas com o Uruguai e a Argentina, o Rio Grande do Sul se destaca como um ponto de entrada relevante para mercadorias, tanto legais quanto ilegais.

Paraná

O estado do Paraná deixou de arrecadar R$350 milhões em impostos estaduais e federais neste ano com o comércio ilegal de DEFs. As projeções são de que as perdas possam chegar a R$500 milhões em 2028. Entre os estados brasileiros, o Paraná é atualmente a porta de entrada principal para diversos produtos ilícitos, inclusive cigarros eletrônicos. Segundo estimativa da Polícia Rodoviária Federal, até julho deste ano, o estado correspondia a 80,5% de todas as apreensões de cigarros eletrônicos ilegais no país. O estado está na fronteira com o Paraguai, atualmente o maior mercado exportador de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) para Brasil, Argentina e Uruguai. As fronteiras terrestres da Tríplice Fronteira representam o principal ponto de contrabando.

Mato Grosso do Sul

A crescente quantidade de apreensões e a identificação das rotas e métodos usados pelos contrabandistas evidenciam o papel central do Mato Grosso do Sul como ponto estratégico para o tráfico transnacional devido à sua localização na fronteira com o Paraguai.

O estado do Mato Grosso do Sul deixou de arrecadar R$104,09 milhões em impostos em 2024. As projeções baseadas na evolução do mercado apontam que a receita tributária arrecadada em 2028 pode chegar a R$152,40 milhões.

Bahia

Contrabando de cigarros eletrônicos causa perda de R$533 milhões por ano só na Bahia. Em 2028, as perdas podem totalizar R$780 milhões, de acordo com o estudo da ESEM-USP. A Bahia enfrenta grandes desafios na segurança pública, principalmente relacionados à fiscalização de suas rotas de entrada de mercadorias, tanto nos portos quanto nas rodovias. O Porto de Salvador e o Porto de Aratu, dois dos principais pontos de movimentação de cargas no estado, são também alvos frequentes de contrabando, o que inclui dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs).

Pernambuco

Pernambuco tem se tornado um ponto relevante na rota de distribuição de mercadorias contrabandeadas para outras áreas do país devido à localização estratégica no Nordeste, com fácil acesso a rodovias, portos e aeroportos que conectam a região ao Brasil e ao exterior. Esse posicionamento favorece o tráfico de produtos ilícitos, e a disputa pelo controle dessas rotas tem resultado no aumento do número de mortes no estado, à medida que facções criminosas e milícias armadas competem pelo domínio desses canais de distribuição.

O estado deixou de arrecadar R$291,91 milhões em impostos estaduais e federais neste ano com o comércio ilegal de cigarros eletrônicos. As projeções apontam que a receita tributária arrecadada em 2028 pode chegar até R$427,39 milhões.

Workshop Fronteiras do Crime

O professor do Instituto de Relações Internacionais e coordenador da Escola de Segurança Multidimensional da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Piquet Carneiro, foi o moderador dos debates. O primeiro painel teve como tema “Impactos do Crime Organizado sobre as atividades econômicas legais”. O segundo painel foi “Regulação de mercados e seus impactos sobre o crime organizado (Estudos de Caso)”, que apresentou a pesquisa completa sobre o mercado ilegal de cigarros eletrônicos, que inclui dados nacionais e estaduais.

Participaram do encontro Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional Contra A Pirataria e Ilegalidade (FNCP);  João Henrique Martins, coordenador da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Emerson Kapaz, CEO do Instituto Combustível Legal (ICL), Andrea Chieregatto, Consultora de Segurança Pública da Fundação Brava e Antônio Rebouças, Diretor do Departamento de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); além de diversas autoridades da Receita Federal e Segurança Pública.

O presidente do Instituto Combustível Legal (ICL), Emerson Kapaz, destacou a importância de combater a competição desleal, que ocorre por meio de adulteração, fraudes operacionais e sonegação. “Precisamos nos articular para atuar juntos, porque o crime é organizado. As quadrilhas atuam do poço ao posto: tem transporte, estrutura financeira, postos de gasolina com maquininha e chip nas bombas”, afirmou.

João Henrique Martins, da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, falou sobre as várias dimensões do crime e a importância das ações integradas para combater as quadrilhas. “Existe um termo que é empreendedorismo criminal: se houver oportunidade e benefícios os criminosos vão explorar”, afirmou. Ele citou o programa Muralha Paulista, implementado pelo governo de São Paulo, para reunir, processar e compartilhar dados, criando uma cultura de integração entre as agências públicas.

Para o presidente do Fundo Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade, Edson Vismona,  o mercado ilegal não é apenas um empecilho no Brasil, mas também em toda a América Latina, sendo portanto transnacional. Antônio Rebouças, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o uso de tecnologias é fundamental na prevenção dos crimes”. Ele citou sistemas e equipamentos para rastreabilidade, autenticação e sensores, que podem identificar fraudes, roubos e coibir receptação. Segundo ele, as empresas podem ajudar o trabalho da polícia fornecendo dados fidedignos por meio desses sistemas.

O coordenador de Projetos do ESEM-USP,  Vinícius Martins Dalbelo, apresentou a pesquisa sobre cigarros eletrônicos no Brasil. “Claramente, a proibição não está funcionando como deveria. Nós, da escola de segurança da USP, temos a hipótese de que o consumo do produto não para de crescer, pois apesar de proibido, o mercado ilegal segue com a venda destes produtos”, afirmou.

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